domingo, 15 de outubro de 2017

Sobre o passarinho #2 - fim

É uma segunda-feira, 16/10/2017. Quando eu comecei isso, eram 00:002, eu acho. Escutando Passarinhos do Emicida. Eu sinto muito em dizer que essa é a última postagem sobre isso, talvez não a última, mas a história termina aqui.

Eu quero continuar escrevendo sobre o passarinho, mas eu já perdi o fio da meada. Antes de tudo, ele se chamava Fabricinho e, sim, é o nome do meu amigo que eu citei na postagem anterior. Com tantos nomes pra escolher, por que esse? Simplesmente pra irritar o Fabrício, que é uma das coisas que eu faço pra me divertir na escola.

Continuando, naquele dia as aulas acabaram mais cedo por causa do campeonato. Quando eu tava saindo, eu resolvi ligar pra minha irmã e falar sobre o passarinho pra ela. Eu não esperava por isso, mas ela falou o que eu tava pensando, ela me perguntou se eu iria deixar ele ali pra morrer. Sem pensar duas vezes, eu voltei pra buscar ele, que era muito bom em fugir, nem parecia que ia ficar no meu ombro dias depois. As aulas acabaram mais cedo, meu pai me buscou no horário de sempre. Eu fiquei quase umas duas horas esperando meu pai naquele dia. Era eu, o Fabrícinho e um cara que eu costumo cumprimentar na saída, por incrível que pareça, o portão da escola tava vazio, nem gente do fundamental tinha. Eu tentei tocar Asa Branca pra ele, mas de vez em quando passava alguém e eu não sou um dos melhores tocadores de gaita, então eu fiquei com vergonha e parei. Eis que meu pai chega, ele foi buscar meus sobrinhos, que ficaram maravilhados com aquela criaturinha magnifica. Fomos no mercado, comprei um chá gelado, depois fomos em outro mercado e não me pergunte o motivo. Fomos pra casa.

Nesse dia, eu ia pra Aparecida do Norte, então eu tive que levar o Fabrícinho pro Nicollas, mas eu tive alguns problemas, tipo o meu pai não querer me levar, tipo eu não conhecer os ônibus daqui, tipo eu não conhecer os ônibus de nenhum lugar, mas aqui eu não sabia nem onde era o ponto. Uma coisa que eu não falei é que o Fabrícinho não tinha nada pra comer, tudo o que ele tinha na barriga era água, então antes de ir no Nicollas, eu fui em um Pet Shop. Eu fui até lá de uber, me surpreendi com o preço da papinha, era uns 30 reais, mas eu queria dar uma vida digna pra ele, então lá se foi 30 reais. Celular descarregando, tinha que pegar o uber logo, acho um uber, minutos esperando, quando ele tava chegando mandou uma mensagem dizendo que não tinha troco e me perguntou se eu iria pagar no cartão, tudo que eu tinha era dinheiro e um passarinho numa caixa, ele cancelou a corrida. Eu tinha 1% de bateria, arrisquei outro uber, descarregou. Eu até tentei ligar pra minha irmã, ver se ela podia me mandar um uber ou algo assim, mas as vezes eu sou impaciente...  Fui andando.

Do pet shop até a casa do Nicollas é uma boa caminhada, o que me deixou preocupado, será que ele iria aguentar? Depois de minutos de caminhada, começou a garoar, quando a primeira gota caiu na caixa, eu acelerei o passo e minha preocupação dobrou. Fico feliz em dizer que meu menino aguentou, ele sempre foi forte.

A mãe e a irmã do Nicollas estavam em casa, a mãe dele é uma mulher muito gentil, a irmã é uma criança adorável. Com o Nicollas e a família dele, todo o processo de fazer a papinha, dar a papinha e água pro Fabrícinho foi muito agradável. Depois disso, eu fui ver a Esmeralda, que é, bem, é... A gente não namora, mas é parecido. Eu passei um dia sem o Fabrícinho.

Um dia depois de ter viajado pra Aparecida do Norte, eu fui buscar ele. Eu briguei com minha familia por  motivos de ninguém me levar, ninguém me pagar um uber, meu pai não dar carona. No fim, minha irmã foi comigo. A gente encontrou o Nicollas na frente da escola, foi um encontro breve, ele só me devolveu o pássaro. Eu e minha irmã fomos no shopping, ela tinha umas coisas pra resolver, depois fomos no Banco do Brasil, onde o segurança me fez esperar do lado de fora, óbvio que não foi por causa da minha cor de pele e da minha blusa preta, certeza que foi por causa da minha caixa cheia de furinhos, que devia ser algum tipo de bomba, os buracos eram pra bomba respirar bem, eu chamo minha neném de Hiroshima Nagasaki. Ironias à parte, esperamos do lado de fora. Minutos depois, voltamos pra casa.

Desde então, tem se resumido nele vivendo comigo aqui em casa, comendo a papinha, bebendo água. Tem algumas coisas que eu queria que vocês vissem, como ele nos cabides do guarda roupa, ele no meu ombro... Vou deixar no fim da postagem. Além disso, eu coloquei som de pássaros algumas vezes por motivos de, sei lá, talvez ele se sentisse melhor assim.

Dia 15/10/17, ele acordou diferente, não conseguia mais se equilibrar no meu dedo, as patinhas dele pareciam estar ruins, podia ser por causa do frio, eu realmente não sei o que era. Eu fui no site do Ibama e procurei onde eu podia deixar ele, o plano sempre foi libertar ele quando ele conseguisse voar, o plano só seria realizado por outra pessoa. Eu liguei no DEPAVE, eles só abririam amanhã. Se ele não melhorasse até à noite, esse seria meu último dia com ele. O dia seguiu, ele recusando a papinha, recusando a água. Eu não pensei que choraria por um pássaro, mas acabei chorando. O dia seguiu, alimentei ele, dei água pra ele, tentei aquecer ele por achar que o frio era o problema. De tarde, depois de alimentar ele, eu fui na minha irmã, voltei depois de três horas pra alimentar ele, na esperança de que ele estivesse melhor.

Sabe, eu realmente queria dizer que o meu menino melhorou, que ele aprendeu a voar, que eu libertei ele, que tudo seguiu bem, mas não foi bem assim. Quando eu fui alimentar ele, eu notei que os movimentos das pernas e do pescoço já não estavam bons, continuei tentando alimentar ele, ele comeu um pouco da papinha e depois recusou. Quando ele tentava andar, ele caia de lado, caia de costas, vendo isso, as lágrimas caiam. Eu resisti por um tempo, depois eu simplesmente comecei a soluçar, comecei a chorar como um meninho, eu não conseguia ver ele naquele estado. Eu sentei no chão do meu quarto, eu simplesmente não conseguia ficar de pé. Minha mãe entrou no quarto, eu não sei o que ela tava pensando, o filho dela estava no chão chorando por um passarinho, ela pegou ele e embrulhou em uma blusa dela, na intenção de esquentar ele.

Depois de um tempo, ele morreu.

Eu simplesmente não conseguia parar de chorar. Eu busquei uma pá, eu não pude fazer com que ele voasse, ao menos iria enterrar ele de forma digna. Minha mãe tinha esperança de que ele fosse voltar, por um tempo a gente esperou, não voltou. Meu pai veio ver o que estava acontecendo, ele me falou coisas como "não foi sua culpa", "ele já tava doente", nesse momento eu desabei. Acho que ele me viu como a criança que eu costumava ser, ele tentou me consolar. Depois disso tudo, eu fui enterrar ele. Era eu, minha mãe, uma pá. Ele foi enterrado na pracinha que tem perto de casa.

Eu realmente não sei como terminar isso, eu realmente não tenho uma mensagem. Eu só consigo pensar no tio da escola, nas pessoas que disseram que ele ia morrer... Estavam certos. 

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Sobre o passarinho #1

Eu nunca fui bom com decisões. Quando decisões envolvem outras pessoas, elas são mais difíceis, ainda mais quando a decisão é se alguém vai viver ou morrer. Nesse momento, você deve estar pensando que é uma pessoa, bom, é um passarinho, que não deixa de ser uma vida.

Acho que esse foi o dilema mais horrível que eu já tive, talvez o único ou o único que eu lembro. Era uma quarta, tinha um campeonato na escola e o tempo tava agradável. Eu e meus amigos, pelo menos alguns deles, nunca fomos chegados em futebol, então a gente saiu da quadra e fomos pro pátio, que também não era muito interessante. Agora, eu não sei dizer se foi antes ou depois da gente sentar no pátio, mas em algum momento a gente achou um passarinho no chão. O que a gente fez no pátio não foi muito interessante, talvez se resuma em eu tocando asa branca na gaita, no Nicollas tocando "Dirigindo meu carro funk" no celular e o Fabrício, bem, sendo o Fabrício. Mas voltando ao passarinho, a gente chegou bem perto, pra ver se ele conseguia voar, talvez só por curiosidade, mas ele não voou. Não é todo dia que você vê um filhote de passarinho no chão, pelo menos por aqui, então nosso primeiro intuito foi tentar ajudar ele. Depois de um tempo olhando ele no cantinho, a gente resolveu pegar ele, o que geralmente não deve ser feito, porque tem chances da mãe dele voltar, que leva cerca de uma ou duas horas, coisa que a gente não sabia, mas fizemos sem saber, quando ele foi pego já tinham passado 3 horas. Era um menino de cabelo cacheado andando pela escola com uma caixa. Na caixa, um passarinho, uma tampinha com água (que ele não bebeu, filhotes de passarinho não conseguem beber água e nem comer sozinhos) e algumas folhas, que depois de horas se tornaram o ninho dele ou algo próximo disso.

Durante o tempo que ele ficou na caixa, que estava aberta, o que eu mais escutei é que ele iria morrer... Escutei de um colega, do tio, de pessoas que não significantes o suficiente pra eu saber quem são. O tio, que não é meu tio, mas como todo funcionário da escola, é chamado de tio, me disse que ele não ia beber a água, o que me deixou preocupado, como eu iria alimentar esse carinha? Me disse que passarinho nessa idade não pode ser criado, que ele não aguentaria, que ele ia morrer, que eu devia deixar ele lá. Bom, fico feliz em dizer que o que o tio disse não aconteceu, fico triste em dizer que a mãe dele não voltou. Eu não sei vocês, mas se ajudar alguém está no meu alcance, eu vou ajudar. Eu não podia deixar ele lá, sem saber se a mãe dele voltaria depois de horas, pensando que haveria mais um turno de aulas, sabendo que o fundamental estuda lá, que crianças podem ser cruéis, sabendo que ele podia ser morto pela diversão dos outros... Trouxe ele comigo.